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Os cubanos sofrem pelo que acontecerá aos brasileiros pobres

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A parceria entre Cuba e o Brasil permite que cerca de 8.500 médicos cubanos que atuam no programa Mais Médicos ofereçam atendam à milhões pessoas carentes nas regiões mais longínquas, onde a grande maioria de seus colegas brasileiros não se dispôs a ir. O fim da parceria afetará a população mais pobre do Brasil, mas também afeta os cubanos, inclusive os que moram em Cuba, segundo Jesus Rafael Mora, que já trabalhou em diversos países.

 

 O médico Jesus Mora fala sobre a atuação dos médicos cubanos O médico Jesus Mora fala sobre a atuação dos médicos cubanos

Após a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência do Brasil, um conjunto de mudanças se geraram. As declarações e posturas do presidente eleito tem provocado o rechaço de grande parte da comunidade internacional. Além disso, tem comprometido a economia e a sociedade brasileira. O caso mais recente a gerar grande polêmica no país foi o comunicado por parte do governo de Cuba anunciando sua saída do programa “Mais Médicos” depois que o futuro mandatário brasileiro anunciou mudanças profundas no programa. O regresso dos médicos cubanos à sua pátria deixa 1500 cidades sem serviço médico.

Os médicos cubanos estão presentes em aproximadamente 100 países de todo o planeta. Para que compreendamos melhor a posição do governo cubano, a medicina do país e a participação internacional dos seus médicos o Diretor de Relações Internacional da Associação Nacional de Pós-graduandos, Mateus Fiorentini*, ANPG entrevistou Jesus Rafael Mora Gonzalez. Mora, como é conhecido, é médico graduado pela Universidade de Ciências Médicas de Sancti Espíritu e especialista em Medicina Geral Integral (MCI). Além disso, Mora possui larga trajetória internacional na qual podemos destacar seu trabalho junto à Federação Mundial das Juventudes Democráticas (FMJD), organização criada durante a resistência ao nazi-fascismo no contexto da Segunda Guerra Mundial. Entre 2008 e 2012 e entre 2014 e 2015 ocupou a Secretaria Geral da organização, período em que desenvolveu, também, atividade médica em distintos países. Atualmente trabalha na Assembleia Nacional de Cuba junto aos temas internacionais do parlamento cubano.

Como é a formação do médico em Cuba? O que se estuda durante a graduação, os currículos, a relação entre teoria e prática na sua formação?

Em Cuba a formação tem um amplo sentido humanista e prático. Sua formação está baseada na atenção primária de saúde. Nada mais que resolver a grande quantidade de problemas nas comunidades. Nós formamos médicos cubanos durante um período de 6 anos e adquirimos uma formação prática. Ou seja, desde o início da graduação estamos vinculados a população, sobretudo à atenção primária de saúde. Nos preparamos também para ser parte da sociedade cubana. Quer dizer, nos formamos com um ensino proletário prático, sem aspirações, nem para ser ricos, nem para chegar a ser uma classe superior no nosso país.

Através de projetos como a Escola Latino-americana de Medicina (ELAM) Cuba tem formado médicos de todas as partes do planeta. Como se dá essa formação? Quais são os desafios de formar um médico de outra nacionalidade?

Através dos projetos da Escola Latino-americana de Medicina, Cuba se colocou em à disposição de todos os países, não apenas latino-americanos, uma vez que existem jovens de mais de 90 países estudando na escola. O país colocou sua formação em função dos pobres, em função dos que não tenham acesso a estudar nos seus países para que possam, quando regressarem, ir às comunidades e também atender milhares de pessoas que estão hoje sem atenção em saúde e que morrem por muitas enfermidades que possivelmente poderiam ser curadas. Igualmente, eles se formam no mesmo princípio, a partir de uma formação social prática, solidária, humana que recebem em todas as comunidades e se mantém pelo constante intercambio com a população.

Atualmente você trabalha junto às Relações Internacionais do parlamento cubano. Como as autoridades cubanas reagiram? Por que Cuba se retirou do programa?

O parlamento cubano também condenou a posição do presidente eleito Bolsonaro. Creio que é uma chantagem. Esperamos que não interfira nas relações que vem se mantendo entre nossos países, mas não vamos aceitar chantagens. Cuba se retirou, creio que tem sido claro, pelas próprias declarações deste presidente. O pessoal cubano que coopera nas missões internacionais o faz sobre a base do princípio de cumprir com um dever internacionalista. Há uma frase de Máximo Gomez (líder da luta independentista cubana no século XIX) onde afirma que ser internacionalista é saldar nossa própria dívida com a humanidade. Somos um povo formado sobre a base de receber sempre ajuda internacionalista por meio do apoio que nos dão contra o bloqueio ou nas lutas por condenar as ações dos EUA. O único dever que nos ensinou Fidel é retribuir com amor, paz, transmitindo nosso conhecimento, compartilhando o que temos, não o que nos sobra. Isso tem sido um princípio da formação do nosso país também.

Como a saída dos médicos cubanos do Brasil impactou em Cuba?

Bom, em Cuba impacta, pois, o povo tem claro que milhões de cidadãos brasileiros ficaram sem serviço. Como nos ensinou Fidel, compartilhar o que temos implica colocar à disposição dos mais pobres os serviços que temos na área da saúde. O povo rechaça, obviamente, as palavras do presidente eleito e também sofre diante do que acontecerá com os milhões de pobres brasileiros. A solidariedade é para com os humildes, com os pobres, aos que ficarão sem este serviço. A disposição é que seus filhos (da pátria cubana), ou seja, os médicos que estão no Brasil, possam regressar em algum momento para continuar essa atenção.

O que você gostaria de dizer ainda sobre a medicina e a sociedade cubana?
É importante dizer que Fidel sempre, desde que a revolução triunfou, teve como um de seus sonhos converter Cuba em uma potência médica mundial. Para nós, ser potência médica mundial implica em formar todo esse capital humano que tem contribuído para que um país que, apesar de bloqueado, apesar de ser subdesenvolvido tem uma população com uma expectativa de vida de 81 anos. Possui uma taxa de mortes por nascimento inferior a 4% e tem, ainda, uma indústria biotecnológica que colocou à disposição toda a ciência para encontrar medicamentos. Isso foi um sonho de Fidel. Creio que o mérito deve ser reconhecido a Fidel, sua condução, sua sabia decisão de que, mesmo nos momentos mais difíceis, a formação dos profissionais de saúde estava priorizada. Isso sim, tive a oportunidade de viver, pois estudei durante os anos mais duros, a década de 90, durante o período especial. Contudo, nunca faltaram livros nunca faltou atenção e mesmo quando os estudantes universitários renunciaram aos honorários que lhes davam, Fidel rechaçou porque sempre teve claro que Cuba podia contribuir com o mundo, principalmente a diminuir a pobreza, ajudar os pobres, a colocar seus especialistas a disposição dos pobres do mundo.

 * Mateus Fiorentini é professor de História, mestrando junto ao Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina da USP e Diretor de Relações Internacionais da ANPG. Morou em Havana, Cuba, entre 2011 e 2014.

Fonte: Internacionalista pela democracia