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Por que o ensino superior deve ser visto como direito e não privilégio

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Ainda que Vélez Rodríguez tenha afirmado que a cobrança de mensalidades em universidades não esteja em estudo e que se trate de uma declaração sem relação com nenhum projeto de lei, torna-se evidente a intenção do Governo Federal em restringir o acesso ao ensino superior.

por Amauri Eugênio Jr. para a Vice

 

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, falou besteiraO ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, falou besteira

Na última segunda (28), o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, deu entrevista ao Valor Econômico afirmando que “a ideia de universidade para todos não existe”, ao dizer que o ensino superior deve ser reservado para uma elite intelectual, para defender o ensino técnico, uma vez que, segundo ele, ajuda os jovens a ingressarem mais rapidamente no mercado de trabalho. Como se essa coletânea de besteirol não fosse o bastante, ele ainda traçou um paralelo sem-noção com um advogado se tornar motorista de aplicativos, que “poderia ter evitado perder seis anos estudando legislação.”

Ainda que Vélez Rodríguez tenha afirmado que a cobrança de mensalidades em universidades não esteja em estudo e que se trate de uma declaração sem relação com nenhum projeto de lei, torna-se evidente a intenção do Governo Federal em restringir o acesso ao ensino superior.

É como se nas cabeças do ministro e de quem bateu palmas para ele, a vida fosse um grande Admirável Mundo Novo e que tudo bem a sociedade ser dividida em castas nas quais algumas pessoas tenham melhores condições do que outras. E ele é o manda-chuva do MEC da nova era, que vê o fantasma do marxismo e leninismo até em nota de coluna social e toma ao vivaço™ de colunista em formato de tréplica – sem contar que ficou feio ter sido pego na mentira.

Quem quer ser da elite intelectual?
Pois bem, a declaração de Vélez Rodríguez pode ser interpretada como fruto de lógica elitista, ao cair na lógica de que jovens, em especial de camadas mais populares, devem se preparar para conseguir um emprego em vez de pensar em ser cidadãos – não “cidadões” – conscientes de seus papéis na sociedade. “Ou seja: com essa fala, ele [Vélez Rodríguez] quer transformar o direito em um privilégio, pois a universidade no Brasil é uma conquista da sociedade, que precisa ser democratizada para todos”, destaca Marcos Neira, professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo).

Todavia, o ministro foi, talvez sem ter percebido, “apenas” contra a Constituição Federal de 1988, segundo a qual a educação é um direito de todos. E para restringir essa história, só com aprovação do legislativo, ou seja, da Câmara dos Deputados, cujo comportamento será uma incógnita – se por um lado mudou demais, por outro, tem perfil digno de reality show.

Além disto, a preocupação dele é, com contenção de orçamento à parte, possibilitar condições de haver mais vagas em universidades, uma vez que, em 2017, 18% dos jovens de 18 a 24 anos estavam no ensino superior segundo o MEC.

Para começo de conversa, a destinação de verba para a formação de cidadãos, inclusive no ensino superior, deve ser vista como investimento social em vez de gasto. Mesmo que o conceito de elite bata à porta. “O papel da universidade é formar uma elite intelectual, mas poder pertencer a ela é um direito de todos, independentemente da origem socioeconômica da pessoa”, pontua João Cardoso Palma Filho, especialista em política educacional e professor aposentado da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

O que simboliza?
O fato de o ministro da Educação dizer que “a ideia de universidade para todos não existe” tem efeito negativo em diversos níveis. Primeiro, quem concorda com ele se sentirá empoderado para reafirmar o pensamento torto e excludente, enquanto quem discorda – e quer, inclusive, um lugar ao sol –, pode achar que a universidade não é para ele.

Deste modo, a questão está no outro extremo: deve-se estimular e dar condições para quem quer entrar na universidade a fazê-lo. “A universidade não pode ser o lugar para o qual as pessoas olham de fora e querem entrar, mas não podem estar. Uma pessoa na posição dele deveria estar preocupada em como garantir mais acessos e mais ensino de qualidade”, ressalta Neira.

Para completar, ao se pensar em um cenário hipotético e distópico nível Admirável Mundo Novo, a desigualdade social poderá ser acentuada caso uma brisa dessas passe a ser institucionalizada. “Os melhores empregos estão destinados a pessoas com ensino superior. Ao barrar o acesso, aumentará a desigualdade social. O problema aqui não é restringir, mas para ampliar condições para mais gente fazer o ensino superior”, finaliza João Cardoso Palma Filho.

Fonte: Vice