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Sociedade civil se organiza contra a expansão dos negócios da Vale no Pará

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Complexo dos Carajás tem o teor de minério de ferro de cerca de 70%, enquanto em Minas Gerais não chega a 50% - Créditos: Ricardo Teles / Divulgação Vale
Complexo dos Carajás tem o teor de minério de ferro de cerca de 70%, enquanto em Minas Gerais não chega a 50% / Ricardo Teles / Divulgação Vale

A exploração minerária na Serra dos Carajás, no Pará, está em plena expansão. A companhia Vale S.A. é responsável pela maior parte dos empreendimentos na região e há indícios de irregularidades. No ano passado, a empresa aprovou investimentos na ordem 1,1 bilhão de doláres no projeto de extração de cobre Salobo II, em Marabá (PA), e duplicou a maior parte da Estrada de Ferro Carajás (EFC) – que corta territórios indígenas e assentamentos da reforma agrária para levar o minério de ferro até portos no litoral do Maranhão.

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Passado um mês do crime socioambiental da Vale em Brumadinho (MG), movimentos populares fizeram atos políticos em homenagem às vítimas e protestaram contra a mineradora em pelo menos seis municípios paraenses. Representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Igreja Católica e de outros segmentos da sociedade civil se somaram às manifestações de rua em Altamira (PA), Belém (PA) e Parauapebas (PA). Em Marabá, o protesto ocorre nesta quarta (27).

Segundo Márcio Zonta, dirigente do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), “independentemente dos crimes em Brumadinho e Mariana (MG), há três anos, a Vale vem fechando nos últimos anos o complexo Sul, como é chamado o complexo de Minas Gerais, em detrimento do complexo Norte, na região dos Carajás. O Complexo dos Carajás tem o teor de minério de ferro de cerca de 70%, enquanto em Minas não chega a 50%. Portanto, o grande negócio da Vale hoje é em Carajás, da onde ela tira a maior parte de seu lucro”.

A Vale não confirma a informação.

Irregularidades

A Defesa Civil e a Secretaria de Meio Ambiente de Parauapebas apontam irregularidades no Plano de Ação de Emergências para Barragens da Vale em Marabá. Faltam informações sobre os impactos ambientais causados por uma eventual ruptura da barragem do Sossego: a apresentação do pior cenário, as principais ruas e vias afetadas dentro de cada bairro no perímetro urbano, levantamento socioeconômico para reconhecimento da população afetada e um plano de atendimento para as famílias.

O coordenador regional da Comissão de Assuntos Minerários (CAM) da OAB/PA em Carajás,

Rubens Moraes Júnior, analisou um relatório apresentado pela Prefeitura de Parauapebas (PA) sobre a situação das barragens do município na última sexta-feira (22): “As informações corroboraram aquilo que já suspeitávamos: a Vale não cumpre a lei e sonega diversos documentos e informações essenciais para uma adequada preparação da Defesa Civil e demais agentes de segurança em relação ao plano de emergência no caso de eventual desastre”.

A comissão estadual, dividida em coordenações regionais, tem se dedicado a ouvir a população atingida e diagnosticar as principais violações de direitos decorrentes da atividade minerária. “Tendo em vista que não há qualquer razão apresentada pela Vale que justifique o descumprimento destas exigências legais, vou encaminhar este relato ao presidente da CAM e da OAB para que se avaliem eventuais medidas judiciais a respeito”, completou Moraes Júnior.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da comunicação da mineradora, que respondeu de forma genérica que “a Vale e a Defesa Civil têm diálogo constante na região”. A Vale ressalta que nenhuma barragem no Pará têm metodologia de construção à montante, como aquela empregada na barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Medo e enfrentamento

Moradora de Parauapebas, Ana Paula Ferreira Sampaio é cristã e militante do MAM há quase dois anos. Após o crime em Brumadinho, passou várias noites sem dormir, tamanha tristeza. Ela entende que a Igreja Católica, junto aos movimentos sociais, pode ajudar a pressionar o governo a “barrar as muitas faltas de respeito com relação às vidas em nível planetário, tanto humanas, como as da floresta em geral”.

O papa Francisco convocou para outubro de 2019 a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, para identificar “novos caminhos de evangelização daquela porção do povo” e por causa da crise na Floresta Amazônica.

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“A Amazônia não diz respeito apenas só aos povos da Floresta Amazônica, ao povo brasileiro: diz respeito à humanidade. É uma questão de saúde, equilíbrio do bem-viver que a Amazônia seja preservada, respeitada e cuidada”, ressalta Sampaio.

Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Cristiano Medina mora em Marabá e aposta que o momento é propício para se propor um plebiscito popular pela reestatização da companhia.

“Este cenário de violação de direitos humanos, de crimes e espionagens, surge a partir de 1997, quando a Vale do Rio Doce é privatizada. A gente sustenta que ela cometeu um crime doloso. Basta ver na nossa região como ela tem se comportado, com processos de judicialização de qualquer movimento que tenta fazer enfrentamento direto com ela”, denuncia.

“Nós, enquanto movimento social desta região da Amazônia, temos um grande desafio ao fazer o enfrentamento, questionando esse modelo de mineração que não é mais viável, – aliás, no capitalismo, nenhum modelo de mineração é viável. Mas nós também defendemos que a Vale seja uma empresa de controle do estado e de seus trabalhadores”, completa Medina.

Segundo levantamento da Agência Pública, mais de 170 pessoas foram alvo de processos da mineradora na Justiça do Pará e do Maranhão, além de movimentos populares, indígenas, quilombolas e agricultores, durante os cinco anos de duplicação da EFC.

Brasil de Fato