Tereza Costa Rêgo: 90 anos da mulher que cravou sua arte na história
A artista plástica, dona de obras monumentais, celebra, dia 28 de abril, nove décadas de uma vida dedicada ao amor e ao seu fazer artístico.
Tereza Costa Rêgo celebra os seus 90 anos neste domingo, 28 de abril. Foi no seu apartamento, à beira-mar de Olinda, no bairro de Casa Caiada, que a artista recebeu esta repórter e o fotógrafo que assina as imagens desta matéria. Na entrada da sua casa, o tapetinho de corujas anuncia o que ela viria a nos dizer mais tarde: “Eu sou mais bicho que gente”, revelando todo o seu amor por animais, presentes na maioria das suas produções. Tereza é uma força da natureza e celebrá-la é, também, reverenciar a sua arte, um legado não só para Pernambuco, mas para o Brasil, para o mundo.
Enquanto Tereza termina de se arrumar para nos receber, dividimos a sala, repleta de telas da artista, com Gilda, “Gilda Costa Rêgo”, a sua cachorrinha, uma figurinha simpática da raça West Highland White Terrier, presente do neto. Naquele apartamento mora há pouco mais de um ano e meio. Antes, era uma casa de alguns andares no Amparo, parte alta da cidade. A mobilidade reduzida depois de uma queda forçou a mudança para um espaço sem tantos obstáculos. A outra residência virou a sua reserva técnica e, sobretudo, um refúgio.
Mas ela não faz, nem de longe, o tipo que se entrega a este tipo de questionamento; conta que vai continuar pintando, inclusive os seus conhecidos quadros grandes. É aí, então, que Tereza solicita à sua ajudante, Maria, que pegue uma tela ainda em fase de acabamento. Tereza desculpa-se pelas imperfeições –possíveis e visíveis apenas aos seus olhos- e pede , depois de alguns minutos, que ele seja levado dali, de volta ao quarto onde tem produzido no apartamento, para ela “não se aperrear”.
Dona do seu tempo
A sua história nos prende como num filme dos melhores. Tereza foi criada para o casamento e para o lar, sonhos, aliás, que nunca foram os seus, mas de sua família, pertencente à tradição açucareira de Pernambuco. Tereza era a única mulher em meio a cinco irmãos. “A minha educação foi muito repressiva pela minha mãe, que era muito católica; não podia nada, tudo era pecado, tudo ia para o inferno”, lembra.
O talento para o desenho sempre foi observado pelo irmão, o responsável por convencer a família a matricula-la na Escola de Belas Artes do Recife. “Eu aprendi desenho, perspectiva e conheci muitas pessoas que hoje são meus grandes amigos”, comenta. Foi na instituição que começou a amizade com um grande parceiro de arte e de vida, Reynaldo Fonseca. De perto ou da sua geração restam poucos: Francisco Brennand, José Cláudio, Montez Magno e o próprio Reynaldo. Tereza desponta como nome de peso num cenário dominado por homens.
Tereza lembra de outra mulher que também viveu de sua arte, Maria Carmem, uma das suas grandes amigas. “Era uma grande pintora, principalmente uma grande desenhista, talvez a maior desenhista de Pernambuco, era do nível de Abelardo da Hora”, diz, saudosa.
Alguns encontros depois e a concretização amorosa e sexual do que já vinha sendo sedimentado em conversas e olhares. “De amigo virou uma grande paixão”, lembra. É aí, então, que Tereza torna-se a primeira mulher da sua família a virar desquitada: intragável para a família, amigos, colunas sociais. Tereza abriu mão da sua vida de privilégios para viver com “um comunista que não tinha onde cair morto”, como ela mesma define Diógenes.
A artista plástica circulou pelas salas mais bem frequentadas intelectualmente do Brasil e do mundo. Foi num desses eventos que conheceu Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor e político brasileiro; para Tereza, a pessoa mais inteligente com quem já dividiu uma conversa. Tereza viveu intensamente a ideia de comunismo e chegou a cursar doutorado na Sorbonne e escolheu para a sua tese o tema “A formação do proletariado brasileiro enquanto classe”. É claro que, em muitos momentos, Tereza recorria a Diógenes para tirar algumas dúvidas. A relação dos dois era mais do que dividir a vida, era terreno fértil para a troca intelectual.
Depois de todo o sofrimento pelas prisões que passou, pelos exílios e pela clandestinidade, Diógenes morre de uma parada cardíaca, quando estava recebendo o líder político João Amazonas no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no dia 25 de novembro de 1979. Tereza, que viu aquele homem enfrentar a morte de tantas e tantas maneiras, não pôde se conformar com aquela forma estúpida e brutal de morrer. Aparentemente sem motivo, sem causa. Coisa de gente. Tereza conta que a sua reação, ao ver aquele homem, portal de sua vida e de seu amor, morto, sem razão aparente, foi só pegar no seu pescoço e perguntar: “Tinha que morrer agora? Por que você fez isso comigo?”, uma reação quase de criança, aos prantos.
A mulher e sua arte
A morte de Diógenes foi, de alguma maneira, divisor de águas na vida de Tereza. Se por um lado ela havia perdido o grande amor da sua vida; ela toma um posicionamento e busca se desvencilhar da Tereza criada para ser decorativa, da Tereza mulher do líder político. A partir dali, era só ela: Tereza e sua arte, marinheira só de sua trajetória.
É, assim, então, que a sua arte ganha corpo, força. E o nu feminino, que ela começou a estudar indo escondida às aulas de modelo vivo na Escola de Belas Artes, aparece cada vez mais nas suas telas. A história de Pernambucano também floresce nas suas pinceladas, principalmente com a série “7 Luas de Sangue”, de 1988, em que revive vários fatos históricos do estado, a exemplo da Batalha dos Guararapes. Involuntariamente, começa a usar o vermelho nas suas obras. E esta vem a ser a sua maior impressão em tudo que faz: a cor viva, corrente reflete bem o que Tereza fez nestas nove décadas.
Outra característica que merece destaque na sua arte é a presença de animais: cobras, bodes, cachorros, gatos. “Eu nunca vi um tatu, mas eu sou fascinada com tatu”, conta, sobre o bicho que aparece em tantas e tantas obras suas.
O saldo da intensidade
Quando Tereza conta de suas inspirações, revela que não gosta de nada preferido, rejeitando por completo a ideia de ídolos. “Eu tive um homem preferido e paguei caro por isso”, explica. Também não é do tipo que se pega a muitos fazeres, é focada. Ao perguntar se ela gosta de tecnologia, mal espera que eu termine e já responde: “Eu não sei de nada. Nem quero. Toma muito tempo, e eu estou velha, meu tempo é precioso para a minha pintura. Não quero dispersar aprendendo essas coisas”.
Tereza lembra da homenagem que recebeu da Prefeitura do Recife em 2011, quando elementos das suas obras estamparam a decoração do Carnaval da cidade, assinada por Joana Lira. A artista conta que foi o momento mais emocionante da vida, principalmente por ver a sua arte na rua. E rememora o momento em que chegou ao Classic Hall e viu o ex-governador Eduardo Campos e a mulher, Renata, à sua espera depois da ponte, por onde ela passou deslumbrada, ao observar as suas mulheres em tamanho que a vista precisa passear um bocado para alcançar. “Quando eu olhei, estavam os dois com camisa com o meu desenho. Quando eu vi o meu desenho no peito do governador, que era meu filho de uma certa forma, foi lindo”, contou, saudosa.
Pedido é ordem
Os 90 anos de uma história intensa, sólida e visceral poderiam ser suficientes para Tereza. Mas não. Tereza quer mais da vida. E com todo o direito. Ela conta que se habituou a viver da sua arte, do seu trabalho. “Eu gostaria de fazer uma exposição no Museu de Arte de São Paulo”, um desejo que começou a nutrir não faz muito tempo. Este é um desejo de uma mulher que já expôs na França, China, Portugal. Imediatamente, nos vem o apelo: o que ainda está faltando para as obras de Tereza ocuparem os salões do Masp?