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Prisão de político paraense, em setembro, revela rota do ouro ilegal na Amazônia

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Prisão de político paraense, em setembro, revela rota do ouro ilegal na Amazônia

 

Investigação sobre Dirceu Sobrinho, da FD’Gold, revela a magnitude da indústria ilegal do garimpo e expõe instituições financeiras.

 

Sobrinho foi preso após a Polícia Federal comprovar sua ligação com as dragas e balças distribuídas por rios amazônicos. (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

A prisão do dono da empresa FD’Gold, o político Dirceu Santos Frederico Sobrinho, já revelava, em setembro de 2022, como funciona a indústria ilegal de garimpos na Amazônia. A empresa do suplente de senador paraense é uma das que “esquentam” ouro ilegal, como se viesse de lavras legalizadas. Meses antes, em maio, 78 quilos de ouro em malas de viagem chamaram a atenção da Polícia Federal, em Sorocaba, por estar sendo escoltada por policiais militares do estado de São Paulo.

A investigação da PF que levou a prisão de Sobrinho, é o fio que leva ao esquema criminoso da invasão de milhares de trabalhadores pobres nas terras indígenas, a serviço de grandes empresas de intermediação de ouro. Outras empresas como a FD’Gold DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários) operam da mesma forma, ajudando os garimpeiros ilegais a regularizar a documentação do ouro. A Folha de S. Paulo apontou em reportagem outras quatro instituições financeiras suspeitas: OM (Ourominas), Parmetal, Carol4 e Fênix.

Embora o escândalo de devastação em rios brasileiros já fosse conhecido, foi só com as imagens de centenas de indígenas definhando em holocausto, que se mobilizou a sociedade contra o garimpo em terras indígenas. Até então, diversas ações do governo Bolsonaro favoreciam abertamente os garimpeiros com transporte por aviões da Força Aérea Brasileira, declarações de apoio, desmonte da fiscalização e projetos de lei do Governo para legalizar a prática.

Dirceu Frederico Sobrinho, o Rei do Ouro, em entrevista à Jovem Pan

Sobrinho foi filiado ao PSDB e, em 2018, concorreu como primeiro suplente do senador Flecha Ribeiro, pelo estado do Pará. Ao ver os 78 kg de seu ouro apreendido no interior de São Paulo, ele correu a assumir que era o proprietário e apresentou os documentos forjados. Ele é dono de garimpos, mineradoras e negociadoras de ouro, faz extração, refino, transporte aéreo e negocia internacionalmente, mas acabou sendo preso pela face mais visível do garimpo, que é uma empresa de dragas e balsas de mineração que invadiram rios amazônicos.

A investigação que levou a Sobrinho começou em novembro de 2020, após o recebimento de uma denúncia anônima à Polícia Federal de Rondônia sobre o pouso de um avião com 3kg de ouro ilegal em Porto Velho. A apreensão de celulares dos envolvidos, e quebra de sigilos, revelou toda a rede.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), depois desmontado por Bolsonaro, relatava movimentação atípica de R$ 2,1 bilhões, entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, pela FD’Gold.

Raio X do Ouro, estudo feito pelo Instituto Escolhas, conta ainda que Sobrinho é presidente da ANORO (Associação Nacional do Ouro), uma entidade de representação setorial. Dentre os associados da ANORO estão as referidas DTVMs, como a Carol, a Parmetal e a Coluna, uma empresa do grupo da Fênix DTVM, uma cooperativa de garimpeiros, uma empresa de transporte de valores, a refinadora Marsam e uma empresa de exportação de metais preciosos, a BP Trading.

Foi com base nos dados do Instituto Escolhas, que o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) solicitou investigação à CVM (Comissão de Valor Imobiliário). A investigação tem alcançado as instituições financeiras e seus laços na cadeia da mineração.

No entanto, algumas das empresas mencionadas no estudo puseram seus advogados contra o Instituto Escolhas, por calúnia e difamação, alegando inconsistências no estudo. Também se dispuseram a colaborar com as investigações, embora afirmem não fazerem parte das investigações em andamento. Ainda acusam o Instituto Escolhas de ser financiado por grandes mineradoras como a Vale do Rio Doce.

Todas as empresas consultadas pela Folha de S. Paulo negaram o envolvimento com garimpo ilegal. No entanto, nem a FD’Gold, nem a Carol4 deram qualquer retorno. O Ibram e o Instituto Escolhas também não se manifestaram sobre as críticas.

Boletim do Ouro, que consolida dados desde 2019, demonstra como é possível rastrear a origem do ouro comercializado. Ele é assinado pelos investigadores Bruno Manzolli e Raoni Rajão e publicado pelo CSR/UFMG (Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais). Eles concluem que pelo menos 30% do total das 158 toneladas produzidas no Brasil é irregular, sendo 35,7 toneladas potencialmente ilegais e outras 10,5 toneladas ilegais.

Porto do Rosarinho em Autazes, local fica na frente de onde as balsas de garimpo operam (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Medidas de enfrentamento

O Raio X do Ouro é um trabalho meticuloso de levantamento da cadeia produtiva do garimpo de ouro no Brasil. Segundo o estudo, metade da produção do minério no Brasil faz parte desta cadeia ilegal de extração na Amazônia. Devido à magnitude desta indústria, o Instituto Escolhas admite que o combate é complexo e difícil e sugere medidas governamentais para o enfrentamento.

Recomenda ao Ministério de Minas e Energia, à Agência Nacional de Mineração e ao Banco Central, editar regulamentos para implantar um sistema de rastreabilidade de origem e conformidade ambiental e social da produção e do comércio de ouro. “Além disso, é urgente que haja recursos para a fiscalização, o combate aos crimes e para acabar com a extração de ouro em Terras Indígenas e Unidades de Conservação”, afirma.

O Congresso Nacional pode reverter a situação de descontrole por meio do Projeto de Lei 836/202136, que tramita no Senado e estabelece as bases para um sistema de rastreabilidade do metal.

Além disso, diz o estudo, as normativas jurídicas que organizam o setor mineral precisam ser revistas para garantir controles e fiscalização adequados e reconhecer os impactos da extração de ouro, que se configura como uma atividade insustentável, em qualquer contexto. Segundo os pesquisadores, o tratamento diferenciado que existe hoje para a mineração industrial e o garimpo (supostamente artesanal) deve acabar. “O regime de Permissão de Lavra Garimpeira deve ser extinto”, resume.

Ainda, a Lei 12.844/2013, que trata, dentre outras questões, do transporte e da comercialização de ouro dos garimpos, facilita a “lavagem de ouro” e dificulta a fiscalização e a responsabilização. Ela exime as DTVMs da responsabilidade pelas irregularidades, garantindo que suas compras de ouro sejam feitas de boa-fé, desde que guardem os formulários preenchidos pelos próprios garimpeiros com uma autodeclaração da origem do ouro.

O estudo conclui recomendando que os mercados importadores exijam controles de origem e monitoramento dos fornecedores. Na legislação da União Europeia já existe um regulamento que classifica países como área de conflito e alto risco para suas importações, mas exclui o Brasil. Os estudiosos consideram necessário proceder com a classificação e que ela seja adotada também por outros países. Com isso, as empresas importadoras teriam que exigir a comprovação de que a extração do ouro não ocorreu em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, o que só se faz com a adoção de sistemas de rastreabilidade.