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Trump usa cerco judicial para crescer nas pesquisas e mobilizar radicais

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Trump usa cerco judicial para crescer nas pesquisas e mobilizar radicais

 

Ex-presidente usa a exposição excessiva na mídia para posar de vítima, enquanto Partido vende produtos com sua foto oficial da prisão

 

A foto policial oficial finalmente tirada de Trump, com ar agressivo, que eterniza um momento único na história dos EUA

Donald Trump se entregou na delegacia com seus dezoito co-réus por fraude eleitoral e outros crimes nesta quinta-feira (24) à noite. Os outros estão reclamando muito do dinheiro que não têm para se defender, mas o ex-presidente já está colhendo os lucros da primeira foto tirada em qualquer um dos processos criminais que ele enfrenta e a primeira que se sabe ter sido tirada de qualquer ex-presidente – e que já estampa camisetas vendidas por todo o país. Claro que a foto ilustra seus perfis nas redes sociais.

O site de arrecadação de fundos que sua campanha ajuda a manter começou imediatamente a oferecer canecas, refrigeradores de bebidas e camisetas em diferentes cores e tamanhos com a foto e as palavras “Nunca se renda!” (Essas palavras apesar do fato de a foto ter sido tirada quando ele se rendeu às autoridades da Geórgia.) Outras pessoas comuns e, provavelmente em dificuldades, também tentam vender mercadorias com as fotos. A foto que deveria ser um símbolo da igualdade perante a lei ou do abuso dela – a lembrança final de uma presidência que quebra as regras do jogo.

Na foto, ele aparece vestido com as cores da bandeira americana: terno azul-marinho, camisa branca, gravata vermelha brilhante – embora seu distintivo de lapela típico da bandeira esteja ausente ou invisível na foto. A pose é de alguém nervoso prestes a dar uma cabeçada na câmera. Uma divulgação pública desnecessária, afinal Trump não conseguiria fugir para lugar nenhum do mundo. Nenhum outro sheriff quis dar esse presente para Trump durante os processos anteriores.

A última vez que ele conseguiu arrecadar milhões com um processo judicial foi, semanas atrás, após sua acusação em março em Nova York por acusações relacionadas a pagamentos de dinheiro secreto a uma atriz pornô. Os números caíram drasticamente depois que o conselheiro especial do Departamento de Justiça, Jack Smith, apresentou acusações contra ele em junho por manuseio incorreto de documentos de segurança nacional.

Marketing planejado

O ex-presidente Donald J. Trump fez o possível para parecer imperturbável e inabalável para os procedimentos formais, mas até ele reconheceu que não gostou de um elemento específico na delegacia da Geórgia: a foto 3×4 com carimbo do sheriff Patric Labat. No entanto, não devem ter sido necessárias muitas reuniões para convencê-lo a vestir a camisa e se jogar no papel de vítima. Melhor isso, do que ficar acuado, silencioso tentando explicar o inexplicável, como faz Jair Bolsonaro.

Trump acabou compreendendo que são dois mil anos de experiência de marketing de como se constroem mitos. A foto da prisão de Lula na ditadura militar é um dos imãs de geladeira mais vendidos em barraquinhas de eventos políticos, assim como as das prisões do pastor Martin Luther King Jr ou Jane Fonda com as mãos levantadas contra a guerra do Vietnã. O ex-presidente bronzeado de cabelos esvoaçantes treinou muito sua expressão para a foto que acabou se eternizando. É a mesma pose combativa que ele usou numa alternativa falsa tirada para zombar das acusações, meses atrás, e vender souvernirs.

Ao contrário do que ele mesmo alardeou, Trump não foi preso, mas responde em liberdade depois de pagar a fiança milionária. Mais uma vez, Trump mostra a Bolsonaro como se faz, ao usar cada segundo de aparição na TV para  voltar à Casa Branca no ano que vem. Processos judiciais para ocupar o espaço midiático não faltarão. A democracia liberal americana vai afundando nas areias movediças de suas próprias armadilhas constitucionais. Dizem que Trump pode governar os EUA, mesmo em prisão domiciliar na Casa Branca, e até anistiar seus próprios crimes.

Favoritismo do mártir da extrema-direita

A acusação mais recente envolve o pagamento pela compra do silêncio de uma atriz pornô na campanha de 2016, mas nos últimos dias andaram também as apurações sobre os documentos sigilosos da Presidência encontrados em sua casa na Flórida e a tentativa de reverter o resultado da eleição na Geórgia na campanha de 2020, onde Biden venceu por margem estreita. Nada disso foi capaz de jogá-lo no xadrez.

Trump é pré-candidato à eleição à Casa Branca no ano que vem e, até aqui, favorito a obter a indicação do Partido Republicano, com 46% das intenções de voto entre os partidários, contra 32% do seu principal adversário, o governador da Flórida, Ron DeSantis, segundo pesquisa Quinnipiac da última semana. Radicais já levantam bandeiras republicanas com o nome de Trump nos pontos mais movimentados das cidades americanas. O problema é ainda maior, considerando que Trump é o único candidato capaz de empatar com Joe Biden, segundo levantamentos recentes.

Cada mergulho de Trump num tribunal são milhões de flashes pipocando. Ele não vê a hora de ter direito a algemas para o espetáculo definitivo. Seu vitimismo, inclusive, torna os ataques de Ron DeSantis, seu principal adversário no Partido, cruéis e insensíveis. Evidentemente que o governador da Flórida aproveita cada ataque judicial a Trump para se projetar.

Democratas e Ron DeSantis

Enquanto o Partido Democrata não tem nada para mostrar na mídia, além do monótono governo de Joe Biden, a baixaria come solta entre os conservadores. DeSantis diz que tem problemas de verdade para administrar na Flórida e faz inúmeras provocações indiretas a Trump. O ex-presidente, por sua vez, chama o adversário de hipócrita ao sugerir que tem muita “acusação falsa e reportagem mentirosa” para enfrentar quando ficar mais velho. Parece até uma ameaça de alguém que sabe que DeSantis já esteve em festinhas de adolescentes, quando era professor.

Resta saber se o vitimismo trumpista será capaz de promover um novo 6 de Janeiro, com neonazistas, racistas, machistas e outros bichos da era paleozóica ocupando as ruas do centro-oeste americano. A convocação já foi feita e não surtiu efeito ainda. Houve pouco barulho nos eventos desta semana. Parece que o americano médio tem problemas reais para administrar nesta penúltima semana de agosto.

A preocupação com a exposição e martírio público de Trump já chegou ao Partido Democrático. O senador Joe Manchin expressou sua preocupação com o modo como a justiça e a polícia têm sido usadas. “Há muitas razões pelas quais Donald Trump não deveria ser presidente dos EUA novamente. Mas não se deve permitir que o sistema judicial seja visto basicamente como um peão político.”

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